domingo, 29 de março de 2009

Madame Butterfly

Por Bruno Tinoco. Passaram-se 3,8 bilhões de anos desde que surgiu no planeta a primeira bactéria primitiva, e ainda não nos demos conta da incrível biodiversidade que se formou na Terra desde então. São mais de 34 filos descritos no reino animal, nos quais podemos encontrar uma variedade surpreendente de adaptações à vida nos mais distintos ambientes.
No curso da evolução, um grupo específico de animais parece ter conquistado adaptações que lhe possibilitou a maior representação de espécies entre todos os demais grupos do reino animal, os artrópodes. Inúmeras conquistas adaptativas podem ser creditadas a semelhante sucesso, mas, em especial, um grupo (uma ordem, em linguagem taxonômica) nos chamou mais a atenção e essas breves linhas foram inspiradas nele, os Lepidoptera, grupo das borboletas e mariposas.
As borboletas frequentemente são alvo de inspirações artísticas, científicas, filosóficas e até poéticas. É uma justa apologia em vista da incrível biologia desses animais, com os quais, aos poucos, vamos aprendendo.
Os integrantes do grupo das borboletas são organismos holometábolos, isto é, possuem metamorfose completa e desenvolvimento indireto. Em outras palavras, um afastamento drástico dos padrões corpóreos de desenvolvimento durante seu ciclo de vida.
O ciclo de vida desses organismos pode ser resumido em ovo, larva, pupa (ou crisálida) e indivíduo adulto (ou imago). No caso das borboletas, a larva é a lagarta, cuja morfologia vermiforme nem de longe lembra o delicado indivíduo adulto. A lagarta passa por alguns estágios de desenvolvimento antes de se tornar pupa, alimentando-se e crescendo. O alimento das larvas pode ser – e quase sempre é – completamente diferente daquele explorado pelos adultos, sendo as peças bucais da lagarta e da borboleta de tipos diferentes (mastigador e sugador, respectivamente), evitando, desta forma, a competição pelos mesmos recursos alimentares na natureza. Este inusitado fato para nossa compreensão pode ser o maior responsável pelo enorme sucesso deste grupo no planeta, já que 80% dos insetos possuem desenvolvimento holometábolo. Segundo Barnes (2005) o desenvolvimento da holometabolia teve um enorme significado adaptativo na evolução dos insetos, em parte por permitir que as larvas utilizem diferentes fontes de alimento, hábitats e estilos de vida quando comparadas aos adultos, dessa forma reduzindo ou eliminando a competição entre os estágios do ciclo de vida.
No estágio seguinte ao de lagarta, a pupa, as borboletas são capazes de nos surpreender ainda mais com uma transformação quase hollywoodiana. Dentro da pupa, a larva sofre metamorfose, durante a qual seus órgãos são destruídos e as estruturas dos adultos se desenvolvem novamente, tal qual a fênix da mitologia grega e egípcia. A transformação se dá devido à presença de células embrionárias de reserva, denominadas discos imaginais. As asas embrionárias desenvolvem-se internamente a partir dessas células, sendo que, nas lagartas, não encontramos precursores desta estrutura. As asas aparecem, desta forma, como uma novidade, assim que a borboleta emerge da pupa. A partir de então surge um dos mais belos e inspiradores animais da natureza.
Na condição de amantes da Biologia Molecular, fascina-nos o fato de todas essas transformações e adaptações à vida serem armazenadas dentro de um mesmo genoma! Uma única célula de uma borboleta contém todas as informações genéticas necessárias para geração de toda essa diversidade de formas durante seu ciclo de vida. É até plausível a discrepância observada durante o desenvolvimento desses animais se assumirmos a expressão diferencial de genes em momentos distintos do ciclo de vida. Isso não significa, porém, que somos ainda capazes de explicar todos os mecanismos pelos quais esses organismos passam, e, muito menos, que nosso ainda escasso conhecimento da Biologia Molecular é capaz de ofuscar magnífico resultado de milhões de anos de evolução.
A evolução está diretamente associada à mutação, que significa alteração na sequência do DNA, e, para a ciência, essas alterações que acarretam em organismos mutantes são geradas ao acaso. Dependendo de onde essa alteração ocorra no DNA, ela pode ser prejudicial, benéfica ou não causar qualquer implicação bioquímica ou fenotípica. Isso significa, pois, que durante milhões de anos as borboletas sofreram alterações em seu material genético que lhes possibilitaram uma infinidade de variações. Esta variabilidade está relacionada com estratégias de defesa contra a predação, como sabor desagradável e o mimetismo motivado pela pigmentação nas asas. De fato, pensar cientificamente não é tarefa simples, mas certamente é a maneira mais segura de tentar responder as questões da natureza.
Enquanto nós, seres humanos, destruímos nosso planeta sem qualquer consideração, as borboletas ainda cooperam para a biodiversidade do reino vegetal, pois são poderosos agentes polinizadores. E o que de melhor uma espécie pode fazer pela outra, além de contribuir para a manutenção da vida?
Diante de tudo isso, é incrível saber que a espécie humana convive neste planeta com espécies tão surpreendentes como a borboleta. Deveria ser uma honra para nós. Talvez por isso os grandes sábios de outrora tinham por hábito contemplar a natureza, como num ato de profundo respeito e admiração. Acho que eles compreendiam o que nós, até agora, não entendemos.

Bruno Tinoco Nunes é graduando em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, e aluno de Iniciação Científica da Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ

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