domingo, 18 de abril de 2010

Pensamentos e Pensadores

"A chave para o avanço da ciência está em explicar a complexidade visível por meio de alguma simplicidade invisível."

Jean Perrin, físico francês, ganhador do Prêmio Nobel de 1926

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Ensaio sobre a cegueira

Por Gustavo Miranda

“Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos.”
José Saramago

O título desse texto é referente a uma das grandes obras do escritor português José Saramago, que usa a cegueira para demonstrar, entre outras coisas, “que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso”. Para quem não teve contato com a história, abaixo segue o trailer do filme para se ter uma idéia do que se passa.

Minha intenção não é escrever uma resenha do livro ou tecer comentários a respeito do filme de Fernando Meirelles. Venho aqui apenas colocar um fio de cabelo para fora do mar de injustiças que inunda nossa sociedade, na tentativa de denunciar o que há tempos é conhecido: o descaso a que os cidadãos da cidade do Rio de Janeiro são submetidos devido à infindável falta de vergonha na cara de nossos governantes.
Na história de Saramago, as pessoas ficam cegas por uma doença misteriosa e contagiosa. Os personagens não possuem nome, e gradativamente todos vão perdendo a visão após contato uns com os outros. Incrivelmente, essa realidade é muito parecida com a que vivemos hoje, porém, no nosso mundo os cegos possuem nome e são chamados conjuntamente de eleitores. Somos nós quem colocamos essa forja de corruptos no poder e fingimos não ver o dinheiro dos impostos passar por debaixo dos panos e cair na conta deles; fortunas viajando em meias, cuecas e malas de sem-vergonhice; verbas de escolas e hospitais sendo usadas para construir mansões e castelos; e benefícios, quando acontecem, sempre ocorrendo em bairros privilegiados e de grande visibilidade pela mídia. Enquanto isso o resto da cidade se torna o exemplo de caos sempre que cai uma chuva mais forte .
De forma semelhante à obra, essa cegueira é contagiosa, porém no nosso caso ela é ainda mais grave por ser crônica. Várias são as gerações que vêem a Praça da Bandeira virar mar, Marechal Hermes ficar debaixo d’água, encostas por toda a cidade desabarem matando dezenas e por vezes centenas de pessoas, e nunca nada muda. Em época de eleição promessas invadem nossas casas, porém passada a votação, é a velha e conhecida água que volta a inundar os lares.
No conto de Saramago, a falta de visão faz com que a população viva na desordem e na sujeira, algo não muito diferente do que vemos em nosso dia a dia. Os cidadãos dessa cidade acometidos por cegueCHUVA RIO 06-04-2010 (2)ira e por total falta de educação, jogam todo o seu lixo na rua e nos rios que os circundam. Tudo o que não lhes serve vai parar nas calçadas e no fundo dos rios, desde papeis, sacos plásticos e caixas, até geladeiras, sofás, carros e armários. Com a chuva acontece o óbvio: os rios transbordam e o caos se estabelece. Nosso governo é como a única pessoa não acometida pela cegueira na história, porém, de forma diametralmente oposta, esse único olho que enxerga, vê somente seu próprio benefício e se esquece de toda a população que vive debaixo d’água.
Há algumas décadas se espera que a nossa história tenha um desfecho tão feliz quanto o do filme (ou do livro), e que todos possam, a partir de um pequeno esforço, enxergar a realidade que nos assola. Que soluções efetivas sejam tomadas, como melhorias na rede de esgotos, retirada de lixo com maior freqüência dos rios, ou, melhor ainda, a educação da população para não encher nossa cidade de lixo; contenção das encostas antes que elas desabem (pois só se dá devida atenção depois que os desastres acontecem), entre muitas outras medidas que podem e devem ser tomadas o mais rápido possível. Esperamos sinceramente que soluções paliativas e infundadas deixem de ser tomadas pelo Governo, que aplica nosso dinheiro numa espécie de fé, ou mandinga, ou macumba, ou qualquer outra coisa que isso possa ser, como a contratação da Fundação Cacique Cobra Coral  que, semelhante às atitudes deles, não consegue resolver problema algum.

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