domingo, 19 de dezembro de 2010

O caso FOXP2

Quando pequenas alterações provocam grandes mudanças

Por Bruno Tinoco Nunes

Quando as sequências dos genomas de humanos chimpanzee chimpanzés foram comparadas, um fato incômodo emergiu: nossas cópias de DNA são 99% idênticas às deles. Das 3 bilhões de letras que compõem o genoma humano, apenas 15 milhões - menos de 1% - passaram por mudanças em aproximadamente 6 milhões de anos, desde que as linhagens de humanos e chimpanzés divergiram1.

A genética evolutiva nos mostra que a vasta maioria dessas mudanças tem pouco ou nenhum efeito em nossa biologia. Mas, em algum lugar nessa base aproximada de 15 milhões de variações estão as diferenças que nos fazem humanos.

A aceleração na taxa de mudança em alguma parte do genoma evidencia seleção positiva, situação em que mutações que auxiliem um organismo a sobreviver e se reproduzir têm mais chances de serem transmitidas às futuras gerações. Em outras palavras, aquelas regiões do genoma que passaram pelas maiores modificações, desde a separação entre chimpanzés e humanos, são as sequências que mais provavelmente moldaram a espécie humana. O gene FOXP2, associado à linguagem, é um exemplo2.

A linguagem articulada é uma característica exclusivamente humana e provavelmente foi o principal fator que impulsionou o desenvolvimento da cultura em nossa espécie. A habilidade para falar depende de capacidades como controle da laringe e da boca, cujo potencial se encontra ausente entre os chimpanzés e outros primatas. O gene FOXP2 se mostrou de extrema relevância para a habilidade humana de falar. Pessoas que nascem com uma mutação neste gene sofrem distúrbios de fala, compreensão e processamento de linguagem3.

O gene FOXP2 é um tipo de fator de transcrição, isto é, seu papel está em colaborar na regulação da expressão de outros genes4. Em comparação a outros primatas, o FOXP2 humano exibe duas alterações cruciais em um domínio conservado evolutivamente na sequência de aminobebes conversandoácidos oriunda deste gene. Estudos recentes compararam a atividade das proteínas codificadas pelo FOXP2 humano e pelo FOXP2 de chimpanzé e verificaram que elas acionam cascatas diferentes de genes, apesar de suas sequências diferirem em apenas dois aminoácidos. Embora pareça sutil, essa mudança na sequência de eventos pode ser suficiente para levar ao desenvolvimento de um sistema de linguagem única nos humanos, associada à capacidade de falar5,6,7

Apesar da grande proximidade evolutiva entre os grupos de primatas, os seres humanos apresentam notórias peculiaridades, sendo a linguagem uma das mais marcantes.

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Árvore gerada no programa MEGA8 pelo método Neighbour Joining. Os números próximos aos nós dos ramos representam valores de bootstrap.

A sequência em questão está presente em vários outros grupos de vertebrados, desde aves e répteis até em peixes, com raras alterações na sequência de aminoácidos, sendo esta bastante conservada em quase todos esses organismos. Em humanos, no entanto, análises bioinformáticas indicaram mudanças aceleradas e pontuais de valor significativo na função biológica do gene. Tal fato fez com que este fator de transcrição pudesse atuar na regulação de diferentes genes se comparado à atuação da sequência ortóloga em chimpanzés, ou seja, a mesma região do genoma que um dia foi compartilhada por um ancestral comum.

Desta forma, podemos concluir que durante os cerca de 6 milhões de anos desde que a nossa linhagem divergiu da dos chimpanzés, FOXP2 acumulou mudanças que, ao lado de outras não menos relevantes, moldaram a espécie humana como a conhecemos. Possivelmente este gene sofreu seleção positiva porque o ato de nos comunicarmos por uma linguagem articulada conferiu aos nossos antepassados uma grande vantagem em relação aos que nos eram contemporâneos, permitindo que a sequência em questão pudesse acumular um maior número de mutações e estas fossem rapidamente se espalhando entre as populações de hominídeos. FOXP2 é um exemplo de como pequenas alterações no genoma dos organismos podem torná-los tão diferentes quando comparados a grupos próximos.

Referências bibliográficas

1. Chimpanzee Sequencing and Analysis Consortium. Initial sequence of the chimpanzee genome and comparison with the human genome. Nature. 2005 Sep 1;437(7055):69-87.

2. Zhang J, David M. Webb and Podlaha O. Accelerated Protein Evolution and Origins of Human-Specific Features: FOXP2 as an Example. Genetics 162: 1825–1835 (December 2002)

3. Konopka G, Bomar JM, Winden K, Coppola G, Jonsson ZO, Gao F, Peng S, Preuss TM, Wohlschlegel JA, and Geschwind DH. Human-Specific Transcriptional Regulation of CNS Development Genes by FOXP2. Nature 2009 November 12; 462(7270): 213–217. doi:10.1038/nature08549.

4. Teramitsu I, Poopatanapong A, Torrisi S, White SA (2010) Striatal FoxP2 Is Actively Regulated during Songbird Sensorimotor Learning. PLoS ONE 5(1): e8548. doi:10.1371/journal.pone.0008548

5. Enard W, Przeworski M, Fisher SE, Lai CS, Wiebe V, Kitano T, Monaco AP, Pääbo S. Molecular evolution of FOXP2, a gene involved in speech and language. Nature. 2002 Aug 22;418(6900):869-72. Epub 2002 Aug 14.

6. Coop G, Bullaughey K, Luca F, Przeworski M. The timing of selection at the human FOXP2 gene. Mol Biol Evol. 2008 Jul;25(7):1257-9. Epub 2008 Apr 15.

7. Lieberman P. FOXP2 and Human Cognition. Cell. 2009 May 29;137(5):800-2.

8. Tamura, K., Dudley, J., Nei, M. and Kumar, S. (2007) Mega4: Molecular Evoltionary Genetics Analysis (Mega) Software Version 4.0. Mol. Biol. Evol. 24, 1596-1599.

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