quinta-feira, 14 de julho de 2011

Divulgação de ciência e a larva véliger

Por Gustavo Miranda

A Zoologia é uma das áreas mais fascinantes da Biologia. O  estudo da diversidade animal deslumbra o homem desde Adão (o primeiro possível taxonomista) até os zoólogos que se formam hoje em dia, passando, é claro, por Aristóteles, Darwin, Wallace e tantos outros grandes biólogos. Infelizmente, o modo como toda a informação gerada por esses pesquisadores (menos Adão e Darwin) é passada ao público é praticamente inacessível. Os artigos e monografias são publicados em uma linguagem seca, direta, sem muitos rodeios e recheada de termos técnicos muitas vezes ininterpretáveis. Além disso, o acesso aos periódicos onde esses trabalhos são publicados só é possível nas universidades e mesmo assim, nem todos os conteúdos são liberados. O que salva o público leigo desse vácuo de informação científica são os livros, vídeos e os raros blogs de divulgação científica. Porém, nem sempre foi assim.

Existiu no século XIX–XX um brilhante Biólogo Marinho chamaWalterGarstangdo Walter Garsteng (1868-1949) cuja especialidade era larvas de invertebrados marinhos e as informações que esses imaturos fornecem sobre a evolução dos invertebrados. Garsteng, além de ser um proficiente cientista, tinha um dom especial em transmitir suas ideias; ele a fazia na forma de versos. Dentre os diversos poemas que escreveu se destacam (título em inglês e tradução livre): The ballad of Veliger, or how the gastropod got its twist (A balada da Véliger ou Como o Gastrópode Tornou-se Torcido), The amphiblastula and the origin of sponges (A Anfiblástula e a Origem das Esponjas), Mülleria and the ctenophore (Mülleria e o Ctenoforo) e Tornaria’s water-works (O “Trabalho Aquático” da Tornaria).

Dentre esveligerses poemas, o mais famoso é “A balada da Véliger ou Como o Gastrópode Tornou-se Torcido”, o qual é transcrito a baixo (retirado do livro “Invertebrados” Brusca & Brusca, 2007). Nesse poema Garsteng relata o processo pelo qual poderia ter surgido a torção nos gastrópodes (caracóis e lesmas), sugerindo que a larva véliger utilizava tal mecanismo para se proteger de predadores. Atualmente, sabe-se que a torção do corpo desses moluscos não surgiu dessa maneira, mas para uma proposta inovadora na época, um poema é um ótimo jeito de se difundir a ideia. É extremamente raro ver um cientista escrever em versos e rimas o resulta de seu trabalho, mas essa poderia ser uma fonte de inspiração para que os pesquisadores atuais divulguem de forma mais descontraída e acessível o produto de seus tão árduos labores.

A balada da Véliger ou Como o Gastrópode Tornou-se Torcido

A véliger é um lépido marujo, o mais lépido do mar

A impelir seu pequeno bote, traz de cada lado, uma roda a girar;

Porém, quando o perigo ameaça seu apressado submersível,

Ela pára o motor, fecha a portinhola e submerge furtivamente.

A véliger testemunhou várias transformações nas pelágicas embarcações a motor;

A primeira que pilotou era nada mais do que uma antiga e lenta embarcação, com diminuta cabine à popa.

Um Arqueomolusco a modelou, à sua imagem e semelhança,

E, numa bolsa de manto, à sua retaguarda, ela trazia sempre guardadas suas brânquias e demais pertences.

Jovens Arqueomoluscos eram lançados ao mar despojados de tudo, a não ser um véu...

Algo como um aro, com movimento giratório próprio, a impulsioná-los, ao invés de serem transportados passivamente;

E, rodopiando cá e lá, iam um a um adquirindo feições parentais:

Concha no dorso, pé no ventre — as mais singulares das diminutas criaturas.

Porém, quando fortuitamente esbarravam em seus vizinhos no mar,

Celenterados com fios urticantes e artrópodes todo espinhosos,

Acreditem vocês, traídos por um de seus pontos fracos, tornavam-se presas fáceis...

Expostos na dianteira, seus frágeis lobos pré-orais não podiam ser recolhidos em salvo!

O pé, vejam só, a meia-nau, próximo ao aconchegante abrigo na popa,

Recolhia-se prontamente, deixando a cabeça exposta, à mercê de todo perigo.

Então, os Arqueomoluscos foram escasseando, sua linhagem definhando celeramente,

Quando, pasmem, chegou a salvação por um mero acidente.

Uma legião de filhotes um dia surgiu, alvoroçado, cheia de novidades,

Anunciando que seus retratores, direito e esquerdo, eram diferentes:

Suas adriças de estibordo, fixas à popa, sozinhas, serviam à cabeça,

Enquanto aquelas fixas a bombordo espraiavam-se de través e serviam à parte posterior do corpo.

Inimigos predadores, ainda perambulando à deriva em números imbatíveis,

Foram agora surpreendidos por táticas que frustaram seus planos para o jantar.

Ante a ameaça, suas presas sucumbiram, mas prontamente reagiram,

Recolhendo ao abrigo da concha suas partes mais brandas, vulneráveis, deixando exposto o pé com seu rígido escudo córneo.

Essa manobra tática (vide Lamarck) aperfeiçoou-se com a repetição,

Até que as partes envolvidas nessa artimanha adquiriram periodicidade,

E a torção, independente afora de qualquer estímulo externo,

Seguirá seu curso predeterminado, mesmo em um vidro de relógio no laboratório.

E assim foi, então, que a Véliger, triunfalmente torcida,

Adquiriu sua cabine à frente, nela abrigando seus apetrechos de navegação...

Uma Trocosfera, em armadura blindada, com um pé para operar a escotilha de proa,

E dupla-hélice para impulsioná-la para frente, com rapidez e prontidão.

Porém, quando esses novos velígeros retornaram ao lar de origem para ali aportar

E se estabelecerem como Gatrópodes com cavidade do mando à frente,

O Arqueomolusco buscou por uma fenda esconder sua vergonha e fracasso,

E, rangendo ameaçadoramente seus dentes córneos, sentiu chegada sua hora e, sucumbindo ao peso de seu revés, morreu.

Livro de Walter Garsteng - http://www.amazon.com/Larval-Forms-Other-Zoological-Verses/dp/0226284239

Walter Garsteng na rede social http://www.facebook.com/pages/Walter-Garstang/120373594675377

Para livros recentes de divulgação cientifica, acesse a seção Livros desse blog.

sábado, 9 de julho de 2011

Quadrinhos viram tema de estudo sobre zoologia

Por Gustavo Miranda

O fanatismo por história em quadrinhos (HQ’s) somado a um amplo conhecimento em zoologia, foi a inspiração inicial do Prof. Elidiomar Ribeiro da Silva em juntar essas duas áreas aparentemente distintas em um trabalho diferente. Unindo-se a ele um aluno entusiamado (este que vos escreve) com mais duas outras pessoas fãs de HQ’s, o resultado foi o trabaho intitulado “Inspiração animal para superpoderes e comportamentos nos universos Marvel e DC” apresentado na forma de pôster na III Jornada de Zoologia da UNIRIO. O trabalho acabou ganhando repercussão inesperada sendo tema de uma publicação do jornalista “Mutante X” no blog especializado em quadrinhos “O X da questão”. Segue abaixo a parte inicial do texto que continua no próprio blog. Vale a pena conferir!


Quadrinhos viram tema de estudo sobre zoologia

heróis do painél Inspiração AnimalAparentemente, animais e quadrinhos de super-heróis não tem qualquer ligação, correto? Nem tanto assim. Um grupo de alunos (sic) da Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro) desenvolveu um painel baseado na inspiração do comportamento animal para a criação de personagens de quadrinhos. Com o título Inspiração animal para superpoderes e comportamentos nos universos Marvel e DC, os autores Elidiomar Ribeiro da Silva, Gustavo Silva de Miranda, Rosilene Ramos Gonçalves eLuci Boa Nova Coelho dissertam sobre 50 personagens das duas editoras que têm seus nomes, poderes e comportamentos analisados à luz da Zoologia. Tudo com embasamento científico, claro, como manda um bom estudo.

Continue lendo aqui.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Obras infindas

por Gustavo Miranda

clip_image002Eu não entendo nada de restauração, muito menos de marcas de tinta, piso, tijolo... Mas gostaria muito de entender por que o Palácio Guanabara passa por tantas obras de restauração? Todo dia passo em frente a esse lugar e há muito tempo que a sede do Governo está em obras. Uma rápida busca na Internet elucida um pouco a questão.

Em outubro de 2009 teve início uma grande obra de restauração, onde se pretendia trocar telhado, forros, pisos, instalações elétricas e hidráulicas, além de realizar alterações para instalação de internet, pintura da fachada e adaptação para o acesso de cadeirantes. O custo inicial era de R$ 9 milhões e tinha previsão de acontecer em 12 meses. Tratando-se de um local histórico e que estava sem restauro há muitos anos, é até justificável esse investimento. Contudo, já estamos em 2011 e as obras ainda não acabaram. Previsões indicam o término em Julho, mas o custo que inicialmente era de quase dez milhões está em R$ 16 milhões. Essa parece ser mais uma daquelas obras que enchem o bolso de políticos e enriquecem presidentes e donos de empresas, algo corriqueiro em nossas vidas, como nas faraônicas Cidade da Música, Copa do Mundo, Jogos Olímpicos... Enquanto isso, bombeiros e professores continuam a receber salários medíocres.

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