sábado, 22 de março de 2014

Direto de Copenhagen: o povo, a cidade e a emissão de carbono

Vikings abordando uma praia.
Imagem: Me you UCN
Há dois meses deixei a cidade onde morava (o Rio de Janeiro) e vim passar uma temporada em Copenhagen. Uma mudança bastante radical pra quem nasceu em Porto Velho e nunca pensou que fosse tão longe quanto Rio Branco, no Acre. Mas a vida nos revela grandes surpresas e depois de sete anos na bela e conturbada capital do carnaval, vim parar em terras vikings.

Ainda não aprendi a usar espadas, saquear mosteiros, nem a adorar o deus Thor, mas já tive algumas experiências e gostaria de compartilhar as minhas primeiras impressões. A expectativa antes de vir para Copenhagen era de encontrar um povo frio, fechado e distante, foi isso o que sempre ouvi sobre os europeus. Pensei que ficaria perdido na rua porque ninguém me daria informação e completamente isolado dos nativos devido às diferenças culturais.

Ao sair no aeroporto peguei um táxi aonde o motorista confirmou todos os meus pré-conceitos. A única coisa que ele falou diferente de “o tempo está chuvoso” foi que conhecia Roberto Carlos (sim, o cantor). A minha amostra de nativos, entretanto, ainda estava muito pequena pra tirar alguma conclusão. Num outro táxi que peguei logo em seguida (nunca façam isso em Copenhagen, estou tendo que economizar dinheiro até hoje) o motorista era muito diferente. Puxou conversa, perguntou sobre o Brasil e me deu dicas sobre a cidade. Dois estilos completamente distintos em um curto espaço de tempo, mas pensei que o jeito descontraído desse último fosse algo particular e não natural do povo dinamarquês. Com o tempo percebi que os cidadãos de Copenhagen são realmente solícitos e até um pouco extrovertidos, conversam e puxam assunto. Contudo, pude perceber também que não é por conta dessa “abertura” que se deve esperar fazer um amigo dinamarquês. Eles interagem até certo ponto, mais do que isso já é invasão de privacidade.

Um ponto a favor da comunicação na maioria das situações é que quase todos falam inglês, principalmente os mais jovens. O idioma local (o dinamarquês) é muito diferente do português e do inglês o que torna impossível um diálogo na língua local. Graças a um grande estímulo do governo em internacionalizar o país, o inglês é ensinado nas escolas desde cedo e cursos universitários são oferecidos no idioma de Obama nas principais universidades. No dia a dia, quando numa conversa onde, além de dinamarqueses, há mais de um estrangeiro, os nativos fazem um esforço pra conversar em inglês numa tentativa de interagir com todos presentes. Agora se você for o único estrangeiro no papo, certamente você vai ficar deslocado, porque em pouco tempo eles começarão a falar a complexa língua nórdica e você vai ficar bioando. Eu estou enfrentando o desafio de aprender o dinamarquês (é oferecido curso grátis para estrangeiros!) e quem sabe um dia eu consigo entender o que as pessoas falam ao meu redor. Hvordan har du det?

A cidade das bicicletas. Foto: Visit Copenhagen
Copenhagen é a capital da Dinamarca e, apesar de ser o centro econômico e cultural do país, é uma cidade relativamente pequena; possui 77,20 km2 (tamanho equivalente ao dos municípios de Presidente Castelo Branco em SC ou de Marinopolis em SP) e conta com 1.230.728 habitantes, ou seja, é bem populosa. O principal meio de transporte da população é a bicicleta. Copenhagen é uma das cidades que possui a maior quantidade de bicicletas no mundo; são mais de 20.000 ciclistas circulando todos os dias. Existem muitas regras para pedalar, mas é só tomar um pouco de cuidado para não sofrer acidente ou levar uma multa (que são bem caras; são cobradas 700 coroas, aproximadamente 300 reais, dos ciclistas que são pegos andando com as luzes da bike apagadas de noite e 1000 coroas caso a polícia faça um flagrante do ciclista falando no celular enquanto pedala). Devido ao baixo índice de criminalidade, é possível andar de bicicleta em qualquer lugar e a qualquer hora sem riscos. Para mim, até agora, essa está sendo a melhor parte de viver aqui, a liberdade de ir e vir em qualquer momento sem medo de ser assaltado ou morto por bandidos ou pela polícia (algo infelizmente corriqueiro em muitas cidades brasileiras).

Copenhagen é considerada a cidade mais amiga do meio ambiente no mundo. Há um amplo projeto em andamento com o objetivo de cidade totalmente neutra de emissões carbono até 2025, com ações como melhoria do transporte público (estimulando as pessoas a não andarem de carro), aumento do número de ciclovias (atualmente a cidade já conta com mais de 400 quilômetros de vias para bicicletas), substituição de carvão por biomassa (utilizado para geração de eletricidade e aquecimento), dentre diversas outras medidas. Uma que merece destaque é fazendo eólica que foi construída em 2001 ao largo da costa de Copenhagen e é responsável por cerca de 4% da energia da cidade e 30% da energia do país. O objetivo do governo é fazer com que esse tipo de energia seja a fonte de 50% da energia utilizada na Dinamarca até 2020. Além de investimentos na matriz energética, vários anos de substancial suporte financeiro no tratamento de esgoto melhorou a qualidade da água nos portos de uma forma que hoje em dia é possível nadar na maioria deles (algo impensável nos portos brasileiros).

Parque eólico Middelgrunden, Copenhagen. Foto: Wikipedia
Copenhagen é um grande modelo a ser seguido em ações contra a poluição, contribuindo de forma exemplar para a diminuição da emissão de gases de efeito estufa. Está sendo uma ótima experiência, tanto pessoal quanto profissional, viver aqui e pretendo em outras postagens compartilhar mais informações. Vou falar muito de Copenhagen, da Dinamarca e da Europa, mas sempre fazendo um paralelo com o Brasil na esperança de um dia também termos sistemas sustentáveis eficientes e cidades seguras como essa e outras por aqui. Espero que gostem e que seja útil.


Vi ses!

domingo, 2 de março de 2014

Quadrinhos e zoologia parte 3

Histórias em quadrinhos ou gibis (HQs) fazem parte da vida de todos nós. Independente da idade, o fascínio por esse meio de comunicação sobrevive por gerações. Os gibis são muito mais do que histórias de fantasias criadas para entreter crianças. As HQs possuem muitos detalhes, alusões e ideias sofisticadas, e essas abordagens podem ser aproveitadas de diversas formas, inclusive na sala de aula como uma alternativa para despertar o interesse e prender a atenção dos alunos.

Nesse sentido, o professor da disciplina Zoologia de Artrópodos da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Elidiomar Ribeiro da Silva, decidiu inovar na sua abordagem de ensino dos insetos, crustáceos, aracnídeos e miriápodes. Ele propõe aos alunos que escolham um personagem de HQ que tenha sido inspirado em algum artrópode e que façam uma análise das características presentes nesses heróis e vilões. Com isso, ele consegue que os alunos busquem informações sobre a morfologia e comportamento dos animais de uma maneira completamente descontraída.

Isso é feito há mais de dois anos pelo professor e já existe um extenso banco de dados que conta com mais de 150 personagens catalogados. Isso só nos universos DC e Marvel. Dentre os insetos, por exemplo, 93 personagens de composição inspirada em algum hexápodo já foram identificados. Uma análise mais detalhada sobre presença dos insetos nos quadrinhos foi apresentada pelo professor em colaboração com alunos no II Simpósio de Entomologia do Rio de Janeiro (II Entomorio) realizado em setembro de 2013.

Análises foram aplicadas para verificar se a diferença no número de personagens com inspiração em insetos entre às editoras DC e Marvel era significativa e se a diferença no número de heróis e vilões apresentava suporte estatístico. Em ambos os casos o resultado foi não significativo. A diferença do número de heróis e vilões não ser significante foi surpreendente, já que era esperado um número de vilões muito maior que o de heróis uma vez que os insetos costumam ser considerados “nocivos” pelo público em geral (o valor encontrado foi de 47 vilões contra 36 heróis; alguns personagens foram considerados de posicionamento variável, como a Angel (Avengers (Vol. 1) 264 (1986)) e a Jaqueta Amarela (New X-Men (Vol.1) 118 (2001)), e outros de posicionamento indefinido, como a Chrysalis (Justice League Quaterly 17 [1994])).

Quanto à classificação taxonômica, os personagens analisados foram baseados majoritariamente em ordens de Holometabola (Coleoptera, Diptera, Hymenoptera, Lepidoptera, Mecoptera, Megaloptera, Siphonaptera) em relação às demais (Blattaria, Ephemeroptera, Hemiptera, Isoptera, Mantodea, Odonata, Orthoptera, Zygentoma).

Elidiomar e seu grupo concluíram ainda que, apesar do grande número de personagens com inspração em insetos, pouquíssimos são aqueles de reconhecido destaque. Na DC os únicos que podem ser considerados do primeiro escalão são o Besouro Azul II (Ted Kord) e o Besouro Azul III (Jaime Reyes). Na Marvel, merecem destaque apenas o Homem-Formiga I (Hank Pym) e a Vespa (Janet van Dyne). Na sua grande maioria os personagens são secundários, com participações esporádicas ou pontuais.

Abaixo, alguns personagens e suas respectivas inspirações.


Personagem: Hellgrammita (Hellgrammite), Roderick Rose
Editora: DC
Posicionamento: Vilão
Inspiração: Lacrau
Classificação: Ordem Megaloptera
Características entomológicas no personagem: presença de antenas e exoesqueleto; ausência de voo e seis pernas.
Personagem: Mariposa Assassina (Killer Moth), Drury Walker
Editora: DC
Posicionamento: Vilão
Inspiração: Mariposa
Classificação: Ordem Lepidoptera
Características entomológicas no personagem: presença de voo, antenas, e exoesqueleto; ausência de seis pernas.

Personagem: Besouro azul (Blue Beetle), Jaime Reyes
Editora: DC
Posicionamento: Herói
Inspiração: Besouro
Classificação: Ordem Coeloptera
Características entomológicas no personagem:
presença de voo e exoesqueleto; ausência de antenas e seis pernas.



Personagem: Homem Formiga I (Ant-Man), Hank Pym
Editora: Marvel
Posicionamento: Herói
Inspiração: Formiga
Classificação: Ordem Hymenoptera, Família Formicidae
Características entomológicas no personagem: presença de antenas; ausência de seis pernas e exoesqueleto.

Personagem: Libélula (Dragonfly), Veronica Dultry
Editora: Marvel
Posicionamento: Vilão
Inspiração: Libélula ou lavadeira
Classificação: Ordem Odonata
Características entomológicas no personagem: presença de voo e antenas; ausência de seis pernas e exoesqueleto.
Personagem: Vespa (Wasp), Janet Van Dyne
Editora: Marvel
Posicionamento: Herói
Inspiração: Vespas
Classificação: Ordem Hymenoptera
Características entomológicas no personagem: presença de voo e antenas; ausência de seis pernas e exoesqueleto.




O grupo também desenvolveu outros trabalhos analisando a zoologia de um modo geral e os aracnídeos nos quadrinhos, trabalhos esses que também foram apresentados em congressos científicos. Mais informações aqui para a zoologia e aqui para os aracnídeos.

Fonte das fotos:

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